quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A ignorância é atrevida, arrogante etc.

"Há alguns dias, recebi mensagens de leitores que me pediam comentários sobre um trecho da entrevista concedida a um jornal capixaba por Sheila Ramos Vieira, que estuda medicina em Cuba. O trecho que motivou as mensagens é este: "No Brasil, com certeza, seria muito difícil para mim fazer um curso de medicina".

Quase todas as mensagens dos leitores citavam as "redes sociais", nas quais a frase da nossa estudante de medicina causava manifestações de alto grau de sentimentos primitivos (o ínclito filósofo Roberto Jefferson que me perdoe por roubar-lhe o nobre pensamento, expresso por ele em relação a José Dirceu quando denunciou o esquema do mensalão).

Costumo fazer o que me pede um dos meus filhos ("Não leia os comentários das notícias, pai; não envenene o fígado e a alma"). De fato, não fui atrás, porque o que foi transcrito nas mensagens que recebi bastava.

Os "especialistas" em língua portuguesa disseram o diabo sobre o "nível" da futura médica ("Como uma analfabeta pode ser médica?" e besteiras afins). Nem preciso comentar o aspecto ideológico desse besteirol, certo?

Posto isso, vamos nos concentrar na estrutura sintática da frase atribuída a Sheila. Vamos repetir a construção: "No Brasil, com certeza, seria muito difícil para mim fazer um curso de medicina". Nas mensagens perpetradas nas redes sociais pelos "especialistas" em língua portuguesa, condena-se veemente e rispidamente o "erro" no emprego do pronome oblíquo "mim", posto antes de "fazer", verbo no infinitivo.

Mas quem foi que disse que esse tipo de problema se resolve pela posição dos termos? Quer dizer que não se pode, de jeito nenhum, usar o pronome "mim" ao lado de um infinitivo?

O problema não é de lugar, de posição; o problema é mesmo sintático (morfossintático, para ser mais preciso). Na língua culta, o pronome "mim" não funciona como sujeito, o que explica por que nesse registro não ocorrem construções como "Ela fez o possível para mim ficar aqui". Nesse caso, no lugar de "mim", ocorre o pronome reto "eu", que funciona como sujeito de "ficar".

É muito fácil perceber por que esse "eu" é sujeito de "ficar". Um dos caminhos é trocar "eu" por "nós" ou "eles", isto é, por um pronome reto plural. O que acontece com o verbo? Varia: "Ela fez o possível para nós ficarmos/para eles ficarem aqui". Outro caminho é trocar "para" por "para que": "Ela fez o possível para que eu ficasse aqui". Percebeu? O pronome "eu" permanece na frase, agora como sujeito de "ficasse".

Na frase de Sheila, o que há é apenas o emprego dos termos na ordem indireta, o que faz o pronome "mim" encostar em "fazer", o que, para os afoitos, já basta como prova do "erro". Não há erro algum, caro leitor. Esse "mim" é "mim" mesmo, já que não está ligado ao verbo "fazer", por isso não pode ser o seu sujeito. Esse "mim" está ligado ao adjetivo "difícil" ("tal coisa é difícil para alguém").

Vamos dispor os termos em outra ordem? Vamos lá: "Fazer um curso de medicina no Brasil com certeza seria muito difícil para mim". E agora? Alguém se atreveria a trocar esse "mim" por "eu"? Algum dos nobres "especialistas" diria "Fazer um curso de medicina no Brasil com certeza seria muito difícil para eu"? Francamente...

Em tempo: o "corretor" do Word também mete os pés pelas mãos... Rarará! Na frase de Sheila, o dito grifa o pronome "mim" (o grifo some quando se troca "mim" por "eu").

Não há erro algum na frase da nossa futura médica. O erro está na prepotência, na ignorância e na arrogância dessa turba raivosa. É isso.
"
 Pasquale Cipro Neto para FOLHA DE S. PAULO

Embora meu português não seja lá essas coisas, quando alguém se acha no direito de passar lição de moral sobre o que quer que seja escrevendo de um jeito quase ininteligível, na boa: mando se foder e voltar pra escola.

Mas ao invés de partir pra agressão gratuita fazendo uso desse tipo de artifício, tentando ridicularizar e, assim, descredibilizar quem cometeu o erro, o que eu faço é justamente apontar falhas nos discursos de quem acha que tá arrasando, fazendo um puta dum sucesso com sua "opnião" que "concerteza" vai receber várias curtidas no Facebook e acabar com a festa, me tornando a arrogante da vez.

Digo isso por conta de um episódio envolvendo dois de meus colegas do curso de Direito. Um deles me marcou numa publicação em que comentava sobre as prisões da AP 470, o "Mensalão". Marcou também esse cara, um certo desafeto meu. Long story short, num dado momento da discussão me irritei com o fato de que ele só sabia falar coisas desconexas, e meu colega e eu realmente não entendíamos o que ele tava dizendo. "Petista agora só diz isso...kkkkkk....não sabe de nada....chora PT!", ao que nós insistíamos "Na boa, a gente não entendeu o que você quis dizer antes...A gente não sabe do que você tá falando!". E ele continuava: "O Maluf falou a mesma coisa! kkkkkkk E agora o Lula também...kkkkk...é só o que petista sabe dizer mesmo!". Não ia adiantar discutir. Aí eu postei esse vídeo:


Eis que o burro (vou me referir assim a ele a partir de agora) só viu o vídeo ontem, e claro, não deixou barato. Tá lá se acabando de falar de mim, aquele mesmo mimimi de aluno de Ensino Médio zoando nerd na sala: que eu sou a nerd sem amigos que não tem vida social, que sou arrogante, que me acho melhor que os outros, que sou motivo de piada na sala de aula, que meu "falso intelectualismo" não engana ninguém etc.

Meu colega ficou mais indignado que eu: veio falar comigo depois da aula, se dizendo chocado com o nível a que a discussão chegou. Falei pra ele deixar quieto, ainda dei mais uma resposta pro burro (no mesmo nível dos comentários dele) e pronto.

Ele fez uso de muita coisa que tinha o objetivo de me ofender, o que descaracterizou completamente o debate. Fez uso daquela tática básica de atacar o argumentador e não o argumento. Me irritei e o chamei de burro, ao que ele revidou despejando todos as piadinhas de estereótipos possíveis de serem usadas nessas horas. Danilo Gentili would be proud.

Nem sei por quê tô falando disso aqui porque tô puta, mas a verdade é que vejo de maneira distinta os dois casos. No caso contado pelo Pasquale, o intuito de quem criticou a estudante de Medicina era claramente ridicularizá-la, tirando o crédito do que ela dizia ("Como uma analfabeta pode ser médica?"), o típico ataque ao argumentador sobre o qual falei. Enquanto eu, criticando o burro e quem quer que seja que age como ele, combato os argumentos, só fazendo uso desse artifício (apontar erros de português) como defesa, quando meu interlocutor se acha no direito de dar lição de moral, quando a ignorância e a arrogância falam tão alto que saem absurdos como "O [ministro do STF] Luis Roberto Barroso...não sei o que aquele cara tá fazendo lá! Nem tem  notável saber jurídico! Não sabe nem usar o plural!". Você vai rebater a crítica, o colega concorda contigo mas o burro não pára: "Me sinto lisongiado (sic) kkkkkkkk se juntam os dois e não dá um kkkkkkk". Um ministro do STF não é digno do cargo porque não sabe usar o plural, mas você escreve errado pra caralho, num discurso vazio e nonsense, e eu tenho que te respeitar? Olha...Né fácil, não.

Não corto o cabelo em salão cuja placa diz "cabeleleiro", nem compro fruta em quitanda que diz que vende "melância". Até já falei aqui de ex-peguete loser que não sabe escrever e de ex-affair cuja namorada escreve "enteressada", "anciosa" etc. Mas isso por ser uma implicância MINHA (quando não é puro despeito por saber tanto e ser tão culta e ler tanta coisa, e nada disso servir pra manter por perto quem eu gosto). É o mesmo tipo de implicância que tenho com livros de auto-ajuda, ou do Paulo Coelho, por exemplo. Encaro como um defeito, mas nunca faria uso disso numa discussão, tipo "Ah, como alguém pode comprar panos de prato de uma analfabeta?". Me poupem. Isso é digno de "chorumentário" de portais como o G1 e o R7.

Tudo indica que vou continuar sendo a persona non grata da classe, com fama de arrogante por essas e outras discussões. Mas prefiro usar as mesmas armas da turba raivosa contra ela do que tentar ter uma discussão produtiva com gente incapaz de tecer um comentário sem um ataque pessoal no meio, achando que assim sai por cima no fim da debate. Por mais burro que seja, não deve ser difícil sacar quando as pessoas simplesmente cansam de responder e desistem, justamente por saber que seu déficit cognitivo o impede de ver o quão estúpido e vazio seu discurso é. Prepotência, ignorância e arrogância também (e principalmente, diria) acomete pseudointelectuais.
 

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