quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Só louco



"...E eu não me contento com qualquer sorriso, não! Eu quero o maior do mundo! Na boca de um homem que não se contenha ao me ver. Que fique de boca seca ao sentir o meu perfume...E que não consiga tirar as mãos de cima de mim!"
Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos,  
vivida pela atriz Luana Piovani na minissérie
O Quinto dos Infernos

Comprei recentemente o box dessa minissérie e um dos momentos mais aguardados por mim era essa cena, em que a personagem Domitila fala pro pai e pra irmã como é o homem dos seus sonhos. Lembro que assisti e pensei "É isso que eu quero!", mas a cada desilusão amorosa bate a dúvida: será que ele existe, afinal?
Arrebatamento. Deve ser muito legal gostar de alguém e permanecer numa boa, com os pés fincados no chão. Mas eu quero mesmo é perder o sono, o apetite, a vergonha, a cabeça! Quero me sentir desejada, protegida. Quero morrer de ciúmes, e que morram de ciúmes. Enfim, quero alguém que ame com a mesma sofreguidão que eu amo.
Acredito que esse seja o motivo pelo qual cobro demais, exijo demais das pessoas com quem me relaciono. Espero a mesma empolgação, a mesma avidez, e quando não recebo de volta, cobro. Insistentemente, diga-se. Se não surte efeito, me afasto, julgando a pessoa fria e insensível demais pra mim. Isso quando não é a pessoa que se afasta de mim, emputecida pelas minhas cobranças e exageros.
Que exista. Que esteja em algum lugar o homem sobre o qual Domitila falava. Ela tinha certeza de que ele existia, e pra ela, esse homem foi D. Pedro. O meu não precisa ser imperador. Basta ser louco como eu.

   


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Linda


Você pode usar abrigos velhos e camisas furadas, que continuará linda.
Você pode acumular polainas nos tornozelos, que continuará linda.
Você pode vestir uma calça boyfriend e anular as curvas, que continuará linda.
Você pode calçar sandálias gladiadoras, insuportáveis até no carnaval, que continuará linda.
Você pode vir com roupão branco de judô, que continuará linda.
Você pode recorrer à boina de Che Guevara e bottons da revolução cubana, que continuará linda.
Você pode se travestir de brilhos, lantejoulas e peruca rosa, que continuará linda.
Você pode se apagar num maiô preto e recatado, que continuará linda.
Você pode se plastificar com capa de chuva, que continuará linda.
Você pode cruzar a bolsa no peito, que continuará linda.
Você pode mascar chiclete de boca aberta, que continuará linda.
Você pode combinar saia e tênis, que continuará linda.
Você pode se vulgarizar com unhas e cílios postiços, que continuará linda.
Você pode assumir colete com bolsos, que continuará linda.
Você pode sumir em pijamas longos e de bolinhas, que continuará linda.
Você pode masculinizar seus trajes, engrossar as sobrancelhas, que continuará linda.
Você pode cortar seus cabelos, zerar seus cabelos, pintar seus cabelos, que continuará linda.
Você pode se cobrir de burka e segredar a penugem loira do pescoço, que continuará linda.
Você pode passear de pantufas e adereços infantis pelos corredores da casa, que continuará linda.
Você pode pôr calcinhas cor de pele, que continuará linda.
Você pode se encher de pulseiras, colares e brincos, que continuará linda.
Você pode se furar de piercings e argolas, que continuará linda.
Você pode se deprimir, engordar, virar uma nécessaire de ansiolíticos, que continuará linda.
Você pode emagrecer demais, afinar os ossos dos ombros, que continuará linda.
Você pode adotar cicatrizes e barbear as veias, que continuará linda.
Você pode fazer tatuagens cafonas com ideogramas, que continuará linda.
Você pode cuspir na rua, desaforar no trânsito, brigar com garçons, que continuará linda.
Você pode não pintar o rosto, dispensar batom e lápis, que continuará linda.
Você pode se sonegar os melhores vestidos, boicotar cuidados, que continuará linda.
Você pode parar de dormir, chorar a noite inteira, que continuará linda.
Você pode adoecer no escuro do quarto, fechar as cortinas para os vizinhos, desistir do mundo, que continuará linda.
Você pode se piorar com todo o ânimo, falir a aparência com todo o empenho, apressar a velhice com toda a juventude, recusar a se colaborar com todo o orgulho, mas não tem como esconder sua beleza.
Ela vai aparecer de qualquer jeito.

Fabrício Carpinejar              

Fonte: crônica de quarta-feira do site Vida Breve