sexta-feira, 29 de julho de 2011

Back to Black

"This ache in my chest...As my day is done now...The dark covers me and I cannot run now..." E depois, quando vem o refrão, os olhos da gente marejam enquanto ela diz resignada e triste "And I wake up alone". Pra mim, foi como ter viajado no tempo, voltado pra era de ouro da Motown, estar ouvindo Sarah Vaughan. É soul. TEM soul. E quando vi a foto, não acreditei. "Mas ela é branca!" e lembrei da Janis, branca com alma negra, swing negro, "black soul". Conheci Amy Winehouse.
Ouvi "Back to Black" inteirinho depois que a Ana me mostrou "Wake up Alone". Na minha cabeça vinha aquele disco da Alanis Morissette "Jagged Little Pill", que causou burburinho por ser extremamente autobiográfico, por causa daquela música que ela fez pro ex. "Back to Black" é assim. "The rise and fall of...", saca? Tem história ali que você sabe que ninguém seria capaz de escrever e cantar senão tivesse sentido na pele. Tipo, "Não vou pra Rehab porque You Know I'm no Good and Me and Mr. Jones não podemos ser Just Friends, então I'm Back to Black porque Love is a Losing Game e I Wake up Alone mas My Tears Dry on their Own", e por aí vai. Por esse álbum, Amy foi indicada a seis Grammy, dos quais ganhou cinco. Aí já viu: a máquina de moer gente chamada SUCESSO foi ligada.
 
Amy amava Blake. Tinha o nome dele tatuado no peito e tudo. Sabe quando a gente tá apaixonado e só fala na pessoa? Ela era assim: a única entrevista que li dela foi decepcionante, ela não concatenava as idéias, mal formava frases. Era all about Blake. Já era de se esperar, afinal o "Back to Black" é sobre a história dela com o Blake.
Então Amy e Blake terminam. De novo. Na verdade, nem a mídia sensacionalista (redundante?) consegue mais acompanhar e dizer quando eles estão juntos ou separados. E Amy despenca. É vista correndo de sutiã, chorando na rua, com a nariz branco de cocaína. Cai na saída do pub e perde alguns dentes. Fuma crack na balada. Amy definha. Os shows são catastróficos. A família começa a se manifestar publicamente, falando que a filha está com os dias contados. Amy vai pra Rehab. No, no, no. Já saiu. Está namorando. Quer ter filhos. Vai fazer turnê. Quando anunciaram os shows da turnê aqui no Brasil, Ana e eu não nos empolgamos. Os ingressos eram caríssimos, ia rolar a famigerada área VIP e, pelo restropecto de apresentações da cantora, resolvemos não arriscar. Quando a ouvi pela primeira vez não imaginava que ia dizer isso, mas a realidade agora era outra: corria-se o risco de jogar dinheiro fora. As apresentações foram ruins, mas nada comparado ao que veio depois. Na Sérvia o bicho pegou e ela saiu vaiadíssima. Nem terminou o show. E resolveu interromper as apresentações, dar um tempo.

Sábado, 23 de julho, Amy morreu. Tinha 27 anos. Não demorou pra que começassem a falar um monte de bobagens: teorias conspiratórias, campanhas anti-drogas e aquela coisa toda de "que Amy sirva de exemplo!" e blah blah fucking blah. Sim, ela era doente e precisava de ajuda. Mas como o André Barcinski falou em seu blog, não é fácil prum artista se retirar de cena pra se tratar quando tanta gente depende direta e indiretamente do trabalho dele. E, infelizmente, o que nos restou foi ver Amy se autodestruindo, sentindo tudo e tanto e tão forte até não sentir mais nada. Como uma estrela que se consome em sua própria energia e entra em colapso, deixando só seu brilho pra admirarmos atônitos, sem pensar em quão mórbido é esse espetáculo chamado "Fim". A supernova do soul explodindo no meu quarto quando ligo o som no talo pra ouvir "I Heard Love is Blind" ou "Fuck me Pumps". E justo ela que cantava tão lindamente "I can't help you if you doooon't help yourseeeelf..." se deixou levar pelo que chamaram de sensação de "falso poder e controle efêmero" das drogas. Começa a usar pra calar o coração e a dependência passa a ser física. Usa pra calar o coração e parar a tremedeira. Usa pra relaxar. Pra ter paz. Pra não pensar, não sofrer, não sentir, quando era esse sentir que falava através do seu dom.

"Morrer é radical demais, silencioso demais, vazio demais" como disse a Zélia Duncan. Fora a sensação de "The dream is over" que fica, como quando o disco acaba e o display zera. Seus 27 anos em 27 minutos e Amy não chegaria viva ao fim da nona faixa de "Back to Black". Mas vendo o mundo como um palco (e não é?), a vida da Amy foi um daqueles shows em que o começo é morno mas o fim surpreendente: ela cantou as favoritas do público mas muitas vezes se recusou a seguir o setlist. Foi aplaudida e vaiada. As luzes se apagaram e acenderam diversas vezes naquelas saídas de cena que são só fingimento. Até que ela simplesmente saiu. E foi embora sem dar bis.


*Crédito das imagens: Terry Richardson's Diary

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Sunday moody sunday

Domingo de sol e você chegou mais cedo do que eu esperava. De mochila e skate, o que me alegrou mais ainda: sinal de que você veio pra passar o dia e a noite comigo. 

Vem que vou te apresentar pros meus gatos: esse aqui é o Gizmo. É, ele não é muito sociável. Essa daí? Eu chamo ela de Chata porque ela parece com uma gata que eu tinha que se chamava Chata, e porque ela morde as mãos da gente quando quer carinho nas bochechas. Aquele ali é o meu gato preto que a gente chama de "Mofo". Don't ask. Essa é a mais velha da casa e a felina-dos-olhos da família. Acho que ela gostou de você. É, são muitos. Tão aproveitando o solzinho morno do inverno. Meu quintal é o mais lindo do mundo com tanto gato espreguiçando. 
Mas vem, vem entrando. Vâmo lá pra cima. Deixa a mochila e o skate no meu quarto, a gente vai pro parque depois do almoço. Minha mãe fez lasanha e eu comprei daquela cerveja que você gosta. Ali é o quarto da minha irmã, aqui o banheiro e aqui é o meu quarto. Legal, né? Maior que o seu, e sem aqueles posters do Iron e do Cobain. Quer ouvir o quê? AC/DC? Vâmo ouvir Stones? Hoje o dia tá com cara de Stones. Não, não. Tá com cara de Beatles, com esse sol, esse céu e todo esse clima de "I wanna hold your hand". Ó meu ingresso do show do Paul. Foi foda lindo esse dia, nunca vou esquecer. Faltou você lá. É, tem livro pra caralho aqui. Vê aí se tem algum que você queira emprestado. Livro, DVD, CD...Só escolher. Se eu li todos? Todo mundo me pergunta isso. Li a maioria. Só não li as enciclopédias e dicionários, óbvio. 
Pega esse do Van Gogh e traz aqui pra cama. Pega essas HQs do Manara e do Alan Moore também. Van Gogh é um dos meus artistas favoritos. Olha esse quadro: "Starry Night". Numa noite estrelada, se eu tiro os óculos e olho pro céu, vejo as estrelas assim, sabia? E diziam que ele era louco...Ele só via as coisas de um jeito diferente. Acho que todo louco é assim. Deve ser chato ser normal então. "V for Vendetta" eu vi o filme também. Bem bacana, mas prefiro a HQ. Esse "Revolução" do Manara também é bem legal. Ninguém desenha mulher melhor que ele, são todas lindas, né? Vâmo almoçar? [...]
Ih, os shows começaram meio-dia. Já era. Onde é a pista de skate? Ah, não sabia que aqui não tinha. Tem no outro parque, mas tá em obras. Quer brincar vai pro playground ali, ó. Quero cerveja. É, eu vi a tiazinha com o cabelo moita armadíssimo viajando no som do Creedence. Éééé, eu vi que o all-star dela é igual ao meu. "É você amanhã" o cacete. Pára de rir. Ah, ainda vai ter mais duas bandas, não demos viagem perdida então.


Não precisa bancar meu guarda-costas dessa vez porque o bate-cabeça tá rolando só lá na frente. Quer ir? Eu fico aqui com minha irmã. Não conheço nada do Iron...Que música é essa? Ahn. [...]
Vâmo comprar uma pizza pro jantar? Duas, a outra - de brigadeiro - vai ser a sobremesa. Ai, olha um gatinho! É gatinha, porque tem três cores. Deixa eu levar pra casa? Tsc, como vocês são chatos. Tadinha da gatinha. [...]
Liga o pc e vai passando os vídeos e as fotos enquanto eu tomo um banho. Melhor, vem tomar banho comigo. Minha mãe fez sua cama na sala. Vâmo jogar videogame ou ver filme? Não, isso aí a gente só pode fazer quando todo mundo for dormir, besta. A gente assiste esse do Monty Python então. [...]
O dia tá amanhecendo, melhor você ir pra cama que minha mãe fez pra você. Não vai embora sem se despedir de mim. Também te amo. Precisa ir embora tão cedo? Fica pro almoço! Tá bom, vai. Eu vou com você até o ponto de ônibus. A gente podia fazer isso mais vezes, tipo todo fim de semana. Ah é. Esqueci.
 
Domingo de sol e como eu esperava você não apareceu. Não mandou mensagem, não ligou. Perdeu o quintal mais lindo do mundo, a lasanha, a cerveja. Os livros, CDs, DVDs e o show no parque. A pizza, o banho, o filme. A mim.

sábado, 23 de julho de 2011

Agrado

Aula sobre autenticidade:


"Una es más auténtica cuanto más se parece a lo que ha soñado de si misma."

Personagem "Agrado", vivida pela atriz Antonia San Juan no filme "Todo sobre mi madre", de Pedro Almodóvar. Já havia citado essa frase aqui no blog, quando tentei responder à pergunta "Quem sou eu?", proposta numa das aulas de Filosofia. Esse conceito de autenticidade mexeu comigo desde a primeira vez que vi esse filme. Afinal, se você se parece com o que sonha de si mesmo, você é de verdade, você é autêntico. Você não é o que os outros veem, ou aquela imagem que você cultiva cuidadosamente todos os dias, preocupado em fazer com que pensem de você aquilo que você quer que pensem. Por isso acredito, complementando o que a Agrado diz, que autenticidade não é só essa imagem sonhada de nós mesmos. É também o quanto dessa imagem conseguimos exteriorizar. É fazer com que todos vejam por fora o que a gente vê por dentro, na nossa cabeça. Aí sim, quando a realidade do outro for a mesma que eu sonhei de mim, serei completamente autêntica.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

"...Que eu quero porque quero, por querer"


...Você pra mim é o sol da minha noite
É como a rosa, luz de Pixinguinha;
É como a estrela pura aparecida,
A estrela à refulgir, do Poetinha
Você, ó flor, é como a nuvem calma
No céu da alma de Luiz Vieira
Você é como a luz do sol da vida
De Stevie Wonder, ó minha parceira...
"Todas elas juntas num só ser - Lenine"                        

Eis uma obra-prima do Lenine. Amo esse cara. Não dá pra acreditar que alguém seja capaz de compor algo tão maravilhoso sem estar realmente sob a influência de uma musa que é nada menos que a síntese de todas as musas inspiradoras do cancioneiro popular. Sim, cara: tem que tá muito apaixonado. E reparem na baixista: manda bem pra caralho.