sábado, 31 de agosto de 2013

Hits & Runs


Cena de um dos seriados que acompanho...Ou acompanhava...Ou tento acompanhar, sei lá: "Sons of Anarchy".

Dica de um ex-amigo, comecei a assistir por causa do personagem principal, o loiro bonitão Jax Teller (Charlie Hunnam). Acabei ficando pela história, que é realmente muito boa. Destaque pra trilha sonora também, já pela música de abertura.



A cena que postei aqui é do último episódio da 1ª temporada (meu vício era tanto que tenho algumas temporadas inteiras salvas aqui). Já não acompanho mais com tanto entusiasmo, mas fiquei sabendo que a nova temporada começa dia 10 de setembro. Vou tentar retomar.

Voltando a cena lá do começo do post e o motivo pelo qual ela tá aqui. Tara é o amor de adolescência do Jax. Jax faz parte de um motoclube cujas atividades não são lá das mais lícitas. Fica subentendido ao longo da história que esse foi um dos motivos pelos quais Tara saiu da cidade e foi ganhar a vida longe dali. Anos depois, Jax e Tara se reencontram: Jax se casou com uma dependente química, que não parou de usar drogas nem durante a gravidez. O bebê nasceu frágil e com uma doença no coração (não lembro se pelo uso de drogas da mãe, se era doença congênita, perdoem a memória fraca), precisando ser operado. A pediatra acompanhando o caso era ninguém menos que Tara, de volta à cidade da qual praticamente fugiu.

Daí em diante rola toda uma reaproximação, já que Jax não estava mais casado e claramente ainda sentia algo por Tara. Muita coisa acontece. Coisa séria, coisa braba. Tara já não sabe se é uma boa ideia fazer parte da vida de Jax, não daquele jeito, com ele envolvido com as coisas barra-pesadas do clube. É aí que rola a discussão da cena acima. Vocês conseguem ver a declaração de amor no meio da briga? Porra, é um puta desabafo romântico. "Sabe com quantas mulheres eu dormi? Centenas!". Foda ouvir isso, claro. Mas depois vem o que ele REALMENTE queria dizer. Mesmo depois de centenas de mulheres, depois de anos longe, era nela que ele pensava quando estava com cada uma delas, não importa quanto tempo passasse.

Acredito plenamente que isso aconteça. A regra do "cure um amor com outro amor", como todas, tem exceção. Talvez histórias mal resolvidas sejam mais difíceis, ou mesmo impossíveis, de serem curadas. Talvez não seja tão simples, meramente fisiológico, como pregam por aí. A verdade é que acredito que se deve dar uma chance, sabe? Tá, meu passado me condena: eu sempre fui a que teve negado todo e qualquer pedido de chance. Más escolhas, maus momentos, más pessoas...Ou todas as anteriores. Já nem sei mais. Naquele momento, achei que merecia a chance; hoje, vejo que foi melhor acabar do jeito que acabou.

Claro, essa é a minha visão, o meu ponto de vista. Talvez pro cara eu tenha sido só um affair à toa, pegação sem importância, "afeto impossível". Guess I'll never know. Mas talvez existam pessoas corajosas como o Jax, que botem tudo pra fora, sinceridade mode on, tipo: "e aí? Vai correr mesmo? Vai abrir mão assim?". Claro: pode não funcionar, a pessoa nem se abalar e ir embora mesmo assim. E pode ser que o chacoalhão funcione, a pessoa pense melhor e decida investir. Um spoiler: no caso do Jax, funcionou.


quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Da solidão

"Sequioso de escrever um poema que exprimisse a maior dor do mundo, Poe chegou, por exclusão, à idéia da morte da mulher amada. Nada lhe pareceu mais definitivamente doloroso. Assim nasceu "O corvo": o pássaro agoureiro a repetir ao homem sozinho em sua saudade a pungente litania do "nunca mais". 
Será esta a maior das solidões? Realmente, o que pode existir de pior que a impossibilidade de arrancar à morte o ser amado, que fez Orfeu descer aos Infernos em busca de Eurídice e acabou por lhe calar a lira mágica? Distante, separado, prisioneiro, ainda pode aquele que ama alimentar sua paixão com o sentimento de que o objeto amado está vivo. Morto este, só lhe restam dois caminhos: o suicídio, físico ou moral, ou uma fé qualquer. E como tal fé constitui uma possibilidade - que outra coisa é a Divina comédia para Dante senão a morte de Beatriz? - cabe uma consideração também dolorosa: a solidão que a morte da mulher amada deixa não é, porquanto absoluta, a maior solidão. 
Qual será maior então? Os grandes momentos de solidão, a de Jó, a de Cristo no Horto, tinham a exaltá-la uma fé. A solidão de Carlitos, naquela incrível imagem em que ele aparece na eterna esquina no final de Luzes da cidade, tinha a justificá-la o sacrifício feito pela mulher amada. Penso com mais frio n'alma na solidão dos últimos dias do pintor Toulouse-Lautrec, em seu leito de moribundo, lúcido, fechado em si mesmo, e no duro olhar de ódio que deitou ao pai, segundos antes de morrer, como a culpá-lo de o ter gerado um monstro. Penso com mais frio n'alma ainda na solidão total dos poucos minutos que terão restado ao poeta Hart Crane, quando, no auge da neurastenia, depois de se ter jogado ao mar, numa viagem de regresso do México para os Estados Unidos, viu sobre si mesmo a imensa noite do oceano imenso à sua volta, e ao longe as luzes do navio que se afastava. O que se terão dito o poeta e a eternidade nesses poucos instantes em que ele, quem sabe banhado de poesia total, boiou a esmo sobre a negra massa líquida, à espera do abandono?
Solidão inenarrável, quem sabe povoada de beleza... Mas será ela, também, a maior solidão? A solidão do poeta Rilke, quando, na alta escarpa sobre o Adriático, ouviu no vento a música do primeiro verso que desencadeou as Elegias de Duino, será ela a maior solidão?
Não, a maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre."
   Vinícius de Moraes         
  

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Polêmicas, poesia & música do Diabo

Revisitando clássicos, revendo conceitos, relendo cartas que escrevi sem nunca ter pretendido mandar pra quem nem sei mais por onde anda.

Vinho barato e Jorge Luis Borges, entre polêmicas internéticas e episódios de "a vida como ela deveria ser" direto do meu Facebook (todo mundo é tão apaixonado e politicamente engajado e feliz e educado e culto no Facebook). Entre um poema e outro, um copo e outro, fico tentando entender o que tem de tão alarmante no selinho que o jogador de futebol trocou com a médica cubana que posou na Playboy sem se depilar porque era contra o Revalida. É isso, produção?


What a shame, what a shame (depois me perguntam por que não insisti no jornalismo...).


Quando pentelhos e cus e xenofobia ocupam tanto espaço no noticiário e nas redes sociais, você percebe que na verdade não tá perdendo muito.

E estudar? Até tento, mas a memória não ajuda. Quando procuro e acho as leis nº 11.340/06 e nº 11.343/06, minutos depois já não sei qual é a Maria da Penha e qual é a dos Tóxicos. Tenho duas provas de concurso pra estagiário: Defensoria e TRT: alea jacta est. Afinal, eu manjo dos paranauê jurídico pero no mucho.

Aí fico pensando que talvez eu leia demais. Schopenhauer diz que ler muito é que nem usar peruca: é adornar a cabeça com cabelo alheio. Você não pensa, você não cria. Tudo o que você tem na cabeça foi o que outra pessoa pensou e criou antes de você. Isso é mais polêmico que pentelho e cu, vai. Você, que é conhecida por ler pra caralho, ter livro pra caralho, dar de cara com um autor um dia, num pocket book que você comprou não lembra nem quando, dizendo "leia menos, filha da puta! bota essa cabeça pra pensar!". E a neura de emburrecer, como o Schop fala que a gente emburrece se lê muito? Já ia meter outra citação das trocentas mil que eu sei. Tá vendo?! Schop tem razão! Uso peruca! Sou tipo a Elke Maravilha, de tanto cabelo alheio diferente que eu tenho!



E o Norman Mailer aqui me esperando há séculos. Ninguém mandou ficar enfeitando tanto, dizendo o quanto a Marilyn era o doce anjo do sexo que ele e todos os homens heterossexuais estadunidenses queriam ter comido. Fora as conjecturas. Mailer e seus "talvez". Me irritou, deixei na bolsa, trombei com o Jorge Luis Borges um dia nas estantes empoeiradas da biblioteca da UMC e...Agora ele tá aqui na minha cama, me dizendo coisas bonitas.



Tenho essa teoria sobre livros e filmes e músicas & afins: tem momento certo pra conhecer. Às vezes, a gente vai acabar se deparando com um livro chato, um filme maçante, uma música que causa estranheza. Mas deixa, vai ver era a gente que ainda não tava pronto pra conhecer. Tempos depois, é só tentar de novo. Se continuar chato e maçante e estranho é porque é bosta mesmo.

Sempre tinha ouvido falar de Borges, mas nunca fui atrás pra ler algo dele. Lia matérias sobre Buenos Aires, cidade que quero muito conhecer um dia, e lugares que ele frequentava, com o lugar dele lá guardado ainda, e fotos dele nas paredes. Uma citação aqui, outra ali, e só. Até que um dia, tô na  faculdade com as entranhas em chamas de tanto ódio, e com fome, e sem dormir. Não posso voltar pra casa porque tenho que pegar o contrato de estágio assinado pela faculdade e levar pro outro lado da cidade, pra entregar na porra da empresa. Não era nem 11h da manhã, mas só iam me devolver o contrato assinado depois das 13h. Daria um rolê no shopping, mas não tinha dinheiro. Fui pra biblioteca, pras estantes onde estudantes de Direito não vão: "ficção". Mario Vargas Llosa, hoje não. Gabo, já li tudo. Jorge Luis Borges, "Obra Completa". Dois volumes de mais de 700 páginas cada. E foi assim que nos conhecemos.

Folheando, caí numa crônica sobre sonhos. Ele falava de um violinista italiano fodão (Giuseppe Tartini, thanks Google) que compôs uma de suas obras mais famosas porque sonhou com a melodia. Na verdade, ele conta que sonhou que o Diabo era escravo dele e tocava essa música. Acordou e compôs "Il Trillo del Diavolo". 


Foi o suficiente pra que eu me dedicasse à leitura do livro até as 13h, como quem conhece um amante em potencial e conversa e ri e se dá tão bem logo de cara que não consegue se despedir. Na volta às aulas (dias depois, já que voltei às aulas só semana passada), a primeira coisa que fiz foi voltar à biblioteca, devolver os livros de Direito Constitucional e pegar o "Obras Completas". As crônicas pelas quais me apaixonei estão no volume 2, mas peguei o volume 1 pro caso de amor durar mais.

O tempo virou, o bolo de chocolate acabou, o dia amanheceu. Hora de tentar dormir.

Antes de dormir, vou ler a Lei dos Tóxicos da alienação parental da Maria da Penha de San José da Costa Rica. Mas vou ouvir o Diabo e reler meu poema favorito do Borges porque esse post era pra isso.

AUSÊNCIA

Hei de levantar a vasta vida
que ainda agora é teu espelho:
cada manhã hei de reconstituí-la.
Desde que te afastaste,
quantos lugares se tornaram vãos
e sem sentido, iguais
a luzes no dia.
Tardes que foram nicho de tua imagem,
músicas em que sempre me aguardavas,
palavras daquele tempo,
eu terei que quebrá-las com minhas mãos.
Em que ribanceira esconderei minha alma
para que não veja tua ausência
que como um sol terrível, sem ocaso,
brilha definitiva e desapiedada?
Tua ausência me rodeia
como a corda à garganta.
O mar no qual se afunda.


Porra, Borges...


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

E a saudade?


Vi essa imagem ontem, no meio da minha pasta de quinquilharias. Não tô linkando fonte porque, infelizmente, salvei já faz um tempo e não lembro onde vi. Achei kinda cute. ♥


Claude Debussy

Em homenagem ao 151º aniversário do compositor Claude Debussy, o Google fez um dos seus sempre maravilhosos doodles, usando, claro, Claire de Lune, uma das músicas mais lindas que já ouvi na vida.


E só pra curtir todo o som, o vídeo de Claire de Lune. ♥




Na real, não posso falar de doodle do Google aqui sem citar o melhor de todos: o do 65º aniversário do Freddie Mercury. Pra ver várias vezes e cantar junto, só clicar aqui.
 

Ismália


Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na tôrre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se tôda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na tôrre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par....
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

Alphonsus de Guimaraens                   
 

sábado, 17 de agosto de 2013

Porta dos Fundos

A essa altura do campeonato, não há quem não conheça o trabalho do pessoal do Porta dos Fundos. O canal dos caras no Youtube já passa das 4 milhões e 900 mil assinaturas.

São sketches curtas e hilárias, algumas me lembram até Monty Python, com aquele tipo de comédia do absurdo em que a piada sai de onde menos se espera.

Já fazia um tempo que queria postar aqui um top 5 dos vídeos mais engraçados do Porta dos Fundos, tarefa dificílima, diga-se. Vou começar com o primeiro que vi e que me fez querer assistir os demais, me inscrever no canal e prestigiar o trabalho dos caras. Num tempo em que "comediantes" que se intitulam politicamente incorretos mas são um bando de putos intolerantes preconceituosos grosseiros fazem tanto sucesso por aí, toda tentativa de fazer rir sem recorrer a escrotices é muito bem-vinda.
  1. Setor de RH - Jesus



    "Eu sei ser putão! Pergunta pros meus amigos! Pergunta pro Mateus!"
  2. Rola



    "Quer uma rola cheia de veia com a cabeça larga, pulsando, vermelha?"
  3. Sobre a mesa



    "Quero levantar que nem um boneco de cera, sabe? Assim, derretendo?"
  4. Brainstorm



    "O título não é bom...Pensei de repente '50 tons de bíblia', 'Quem mexeu na minha bíblia'..."
  5. A regra é clara



    "Eu não quero viver uma mentira! O lugar que a gente vai sair pra jantar você não vai me pegar porque tem gente!"
Bônus (porque é realmente MUITO difícil escolher só 5):  Deus


"Catholic! Errou, errou feio, errou rude!"

E outros tantos mais...Canal recomendadíssimo.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Acabou

"Ao invés de sofrer, de chorar
Eu resolvi me esvaziar

Saia daqui, não me obrigue a querer discutir
Ao invés de mentir, de enganar
Eu proferi meu blábláblá
Não quis ouvir
Ó eu de novo a querer repetir

Acabou, acabou
Perdemos tempo, é isso aí!
Não deu em nada, é isso aí!
Que coisa horrível, é isso aí!


Ao invés de grunhir, de agir
Eu fui dormir, fui relaxar
Não te agredi, não te obriguei a assistir o Didi
Ao invés de quebrar, de melar
Eu resolvi me adaptar
Finalmente o fim
Agonias pra longe de mim


Acabou, acabou, acabou
Perdemos tempo, é isso aí!
Não deu em nada, é isso aí!
Que coisa horrível, é isso aí!"


Quem diria que um dia uma música do Zéu Brito serviria de trilha prum momento da minha vida...

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O sonho acabou (?)

Vi esse texto da Amarilis Lage de Macedo já faz um tempo na página do Alexandre Versignassi. Vale a pena ler. Acredito que é uma sensação pela qual todo mundo passou, passa ou vai passar na vida.


"Explica essa, Susan Miller
Ou
O primeiro corte é sempre o mais profundo

“Susan Miller was right.” É isso o que todo mundo diz, e quem sou eu para dizer que não? Bem que ela falou que o período entre os dias 9 e 23 de março seria especial para os leoninos, em termos profissionais. Algo a ver com a presença de Vênus, Mercúrio e Marte no setor de carreira e reputação. “Estou muito feliz em contar para você que Marte estará em conjunção com o Sol, dando a você coragem, determinação e direcionamento”, disse Susan. “Isso significa que maio será o melhor mês de 2013 para seu progresso na carreira.” Então, no dia 23 de maio, às 12h23, meu chefe me chamou para a saleta de reuniões e, com os olhos cheios d’água, comunicou que haveria um corte gigantesco na empresa e que meu nome estava na lista.
É estranha a tranquilidade que toma conta da gente nessas horas. Uma espécie de nirvana, causada pela beleza da compreensão: as peças vão se juntando – uma conversa no corredor, as longas reuniões, a angústia no olhar de alguém – e a imagem se forma diante de seus olhos com tanta clareza que parece uma pomba branca voando em câmera lenta com aquela luz de Deus ao fundo.
Aí você caminha até a sua mesa, ainda pisando nas nuvens, desliga o computador, pega as suas coisas e se dirige ao elevador, como se estivesse apenas indo almoçar. Um grande senso de praticidade – daquele tipo que sempre nos falta no dia a dia – se instala como uma pedra. E ele se resume, em linhas gerais, a deixar tudo para amanhã.
Passar no RH para assinar os papéis – amanhã. Arranjar uma caixa de papelão para guardar os badulaques (incluindo uma estimada caneca de “Rock of Ages”) – amanhã. Encarar os abraços dos amigos e sorrir quando eles disserem que vai dar tudo certo – amanhã.
Resolvida essa parte, resta uma tarde inteira que, infelizmente, não pode ser transferida para o dia seguinte. Todas as fantasias de vagabundagem que rondavam sua cabeça diante do computador perdem, automaticamente, o encanto. A mais óbvia – ir ao cinema – exigiria uma inalcançável capacidade de concentração. Começar a ler “Guerra e Paz”, também. Ver televisão remete a um derrotismo precoce, e caminhar à toa por aí está fora de cogitação – você não quer olhares piedosos em sua direção. Sim, é uma preocupação paranoica, mas já basta lidar com o espanto no rosto do porteiro ao ver você chegando em casa no início da tarde.
Em casa, você conta pela primeira vez o que aconteceu. E, ao ouvir as palavras que saem de sua própria boca, sente como se também estivesse recebendo a notícia.
“Fui demitida.” E, antes que sua competência venha a ser questionada. “Foi um corte. Disseram que vai chegar a 50 pessoas. Que vai ser um massacre.” Saber que não estou sozinha, que há outras vítimas, traz um conforto meio deslocado, que não se ajeita direito no coração.
“Você só pode estar brincando.”
“Não estou, não.”
“Mas eu não posso acreditar!”
E ali estão elas, todas as emoções que fugiram de você, borbulhando no corpo de outra pessoa: incredulidade, raiva, mágoa, medo, ansiedade. Não seria bom já mandar o currículo para algum lugar? Devemos cancelar a TV a cabo e a faxineira? Quanto dinheiro você tem no banco? Como vai contar para a sua mãe?
Nessa hora, você se lembra de Susan Miller e, com o mesmo esforço que ela dedica à interpretação dos astros, tenta interpretar melhor as palavras da previsão. A coisa sai mais ou menos assim:
“Não se preocupe. Pensei sobre o assunto e cheguei à conclusão de que isso foi um sinal. Um bom sinal. Alguma coisa muito melhor está a caminho para mim, e a vida está criando as condições necessárias para que essas novidades ocorram, entende?”
Silêncio.
“Bom, tomara que seja isso mesmo.”
Silêncio.
Lá pelo fim do dia, vem uma crise de choro e a sensação de febre, seguida por um estado de torpor. E as coisas vão se intercalando até que, soterrada por 82 camadas de choro e catatonia, você começa a pensar no que vai fazer dali para frente.
Sobrevoando os pensamentos, como um abutre, circula uma lembrança. É a história de uma pessoa próxima cujo último emprego formal foi em meados dos anos 90. Desde então, ela se dedica a coisas que parecem emprego, mas não são: participar de associação de moradores, promover abaixo-assinado na internet e enviar longos comentários para as seções de cartas dos jornais. De que modo essa pessoa paga suas contas ou de onde tira a energia para levantar da cama de manhã, é algo que eu nunca soube. E assim se passaram quase vinte anos.
É preciso agir, mas como? A coisa não anda fácil para ninguém, ainda mais para aqueles que, movidos por uma certa mistura de responsabilidade política, curiosidade antropológica e veleidade artística, saíram da faculdade com um diploma de jornalismo. “Não há profissão mais fascinante que a de jornalista, e não há personagens mais românticos que os jornalistas”, diz Graciela Mochkofsky na Piauí deste mês.
Dez anos de estrada foram suficientes para ver jornais e revistas colocando em ação todos os tipos de plano para evitar o naufrágio: blogs, brindes, concursos culturais, festas, prêmios, premières, pesquisas, projetos gráficos em cima de projetos gráficos, fotos maiores, fotos menores, textos menores, textos maiores...
E o número de leitores só diminuía – o que não deixa de ser admirável quando se leva em conta todo o tempo, paciência e firmeza que são necessários para cancelar a assinatura de um jornal ou revista. Já tentei várias vezes, e só tive motivação suficiente para ir até o fim no caso da Veja.
Para minimizar o prejuízo, de tempos em tempos algum veículo anuncia seu passaralho, e a notícia voa pelas redações a todo vapor. Quem sobrevive logo sai a campo ajudando a reerguer os feridos, com convites para café e ofertas de freelas. Até que chega a sua vez, e o desemprego deixa de ser um dado estatístico (cerca de 6%, segundo o IBGE) para fazer de você uma mocinha de novela mexicana.
Conseguir uma vaga em outra redação, no atual cenário, parece improvável e, mais que isso, meio assustador. Seria como voltar (de novo) para os braços daquele cara excitante, inteligente, mas completamente inseguro, que não sabe o que quer da vida e que, depois de meses envolvendo você nos problemas que ele tem com a mãe, com o vizinho, com o mecânico e com a faxineira, some sem maiores explicações.
Mantendo a analogia, viver como freelance equivale a passar pela mesma situação, com dez caras diferentes (incluindo aquele que ainda não definiu sequer se está de olho em homens ou em mulheres), tudo ao mesmo tempo agora.
Minha mãe quer saber quando vou casar na igreja e ter filhos, ou seja, quando foi acolher sua sábia sugestão de prestar um concurso público e alcançar a famosa estabilidade. Sem muita empolgação, às vezes concordo em dar uma olhada nos editais. Diante da relação de assuntos para a prova, é difícil não lembrar que ela também recomendou, um dia, que eu fizesse faculdade de direito.
Anos atrás, tive aulas de direito internacional com um advogado que se referia ao golpe de 64 como “revolução”. Fazia parte da grade de um cursinho preparatório para o Rio Branco. Uma das dicas marcantes que recebi ali foi essa: na redação, escrever o que os avaliadores gostariam de ler – e não necessariamente o que você achava sobre o assunto. Não é todo dia que a gente se depara com uma mistura tão boa de honestidade e hipocrisia, certo?
De todo modo, não cheguei até a fase da redação, e o convite para um novo emprego se sobrepôs aos planos de trabalhar numa embaixada no Oriente Médio. O Brasil perdia, assim, mais uma candidata ao funcionalismo público. Não que eu vá fazer falta – o sonho de milhões de brasileiros é conseguir um cargo (qualquer cargo) no governo. Não o meu.
De pijama no sofá, jantando um resto de bolo de banana, você se dá conta de que também não faz o tipo empreendedor. Lá no guarda-roupa, tem uma caixa cheia de bijuterias que foram feitas para conseguir uma grana extra num momento de aperto e que jamais foram vendidas. É difícil imaginar algo mais constrangedor do que tentar vender alguma coisa para alguém.
Além disso, você também não tem dinheiro para investir no que quer que seja (como um quiosque da Empada Brasil) nem vai conseguir atrair um sócio endinheirado com uma ideia genial. Todas as grandes ideias que você teve já foram reivindicadas por alguém antes, como a pizza de chocolate.
A esperança de pelo menos dormir até mais tarde, até 2018, no mínimo, também não se concretiza. Lá está você, no meio da madrugada, com os olhos no teto, pensando na morte da bezerra. E agora, Susan Miller? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou. Agora você que se vire para salvar sua reputação de astróloga renomada internacionalmente. Quanto a mim, vou levantar, fazer um café e ler o jornal. Pelo menos isso: agora vou ter tempo para ler o jornal, do começo ao fim. E até checar, com uma pontada de ironia e ansiedade, o que o horóscopo me reserva para os próximos dias.
"
O texto da Graciela Mochkofsky ao qual a Amarilis se refere é esse aqui. Belíssimo texto, por sinal. Tava falando com a Ana sobre esse idealismo que jornalista tem, e que, pelo menos no nosso caso, não ficou pra trás nos primeiros semestres de curso, ou nos primeiros contatos com a realidade da profissão através dos estágios-exploração (pleonasmo?). E esse é o motivo pelo qual o jornalismo mais desistiu da gente que a gente dele: jornalista idealista sofre mais que mulher apaixonada por cafajeste. "A gente não vai voltar pro jornalismo, né, mano?", e eu respondi que não. E a dor com que ela ouviu isso - não sei se acreditando ou não - foi a mesma com a qual eu disse, porque soou melancolicamente definitivo. Porque veio acompanhado de um "e o que a gente faz então?" que ficou subentendido pra nós duas, e que cada uma vai responder a seu modo. 

A verdade é que, com essa crise braba, revistas acabando e tal, não dá pra se ter muita esperança de que conteúdos opinativos de qualidade, e aquele jornalismo literário ou "new journalism" que a gente curte tanto, vá escapar incólume. Talvez, esse estilo seja o primeiro que acabe. Não vende, os textos são grandes, exigem uma certa dose de imaginação do leitor (que não tem tempo nem saco pra devaneios lendo o noticiário de manhã no trem lotado)...Em suma, aquele jornalismo utilidade-pública, ou aquela reportagem que é quase um romance, já era. Vai sobrar, sei lá, a Veja. Argh.

Oremos.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Every Time

Tem várias versões, mas essa da Nina Simone...
 

"Every time we say goodbye
I die a little
Every time we say goodbye
I wonder why a little
Why the Gods above me
Who must be in the know
Think so little of me
They allow you to go
..."

E como diria o Carpinejar, que me entende sempre tão bem:
"Invejo quem tem a possibilidade de telefonar ou mandar mensagem. Invejo os esbarrões de seus dias. Qualquer contato, qualquer cumprimento, invejo."

Quando a vida imita a arte

"Olhando pra você, menina"