segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Daquele jeito

"Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece (...). E morre-se sem ao menos uma explicação. E o pior – vive-se, sem ao menos uma explicação (...). E ter a obrigação de ser o que se chama de apresentável me irrita. Por que não posso andar em trapos (...)?"
 Clarice Lispector, mais uma vez, cobertíssima de razão. Tô aqui com minha cabeça quase explodindo depois de um dia de trabalho odioso. E a impressão que tenho ao prestar mais atenção ao meu redor é essa: I see dead people. Gente conformada, gente que trabalha com o que não gosta mas que acha que "tá bom assim". Ganha um salário mínimo e depende de regras esdrúxulas de controle de qualidade - e outros parâmetros que sequer merecem ser citados aqui - pra ter um salário melhor, mas como não consegue atingir a tal meta acha que "tá bom assim" só os 510 mangos. Se mata em trens, ônibus e metrôs lotados, paga pelo transporte público um valor que, sem dúvida, o serviço não vale, mas...Tá bom assim. É casado(a) ou namora e é enganado ou engana, mas encontrar outra pessoa dá tanto trabalho que compensa mais fechar os olhos e ouvidos pra humilhações do que ir atrás de alguém que valha a pena. E se relacionar vira script de novela do Manoel Carlos, e o outro tem que atender a uma lista de atributos pra ser considerado(a) "the one", e se a revista Nova ou a Men's Health disser que seu relacionamento é uma merda, termine rápido porque eles tem razão: what the hell do we know?! Você pode fazer o que estiver ao seu alcance para ser um profissional melhor, um amigo melhor, um amante melhor, mas nada vai adiantar. Sabe por quê? Porque a falsidade é o novo preto, exigir e não querer ser cobrado é hype e o "deixa a vida me levar, vida leva eu" é chic. Também amanheci em cólera. Mas vou dormir e acordo no dia seguinte ainda sob o efeito dela. E viver e morrer sem explicação é o de menos. O que me deixa fodida é - com tanta coisa ruim, tanta cegueira, tanta hipocrisia - ter que usar roupa social.

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