quinta-feira, 27 de outubro de 2011

...And now for something completely different

JURO que o assunto era outro. Mas é que minha cabeça funciona de um jeito estranho. Explico.
Acessei o Facebook e me deparei com isso:


AMO o House, AMO o Hugh Laurie...Mas não engoli essa de que a frase foi proferida pelo ilmo. doutor. Joguei no Google: a maioria dos resultados apontava pro Caio Fernando Abreu. Cá entre nós, Caio Fernando, Clarice Lispector e Arnaldo Jabor são só alguns dos muitos autores a quem gente idiota gosta de atribuir textos e frases bestas. E era esse o mote desse post: retomar o assunto do "autor desconhecido", textos e frases atribuídas erroneamente pela web e que as pessoas passam adiante sem nem se importar em checar se a informação procede. Isso começou por causa de um texto que me irrita profundamente e que atribuem ao Machado de Assis. Aí me deparei com essa do House e vi que o negócio tá ficando grave.
Disposta a descobrir de quem é a bendita frase (porque ultimamente ela tem feito até que muito sentido na minha vida...), vasculhei Wikipedia, Wikiquote e um site com obras do Caio Fernando Abreu. E NÃO, não achei a frase. Pelo menos não achei nas obras em que procurei. Mas me deparei com a seguinte citação:
"O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo- porque se poderia ter, já que está vivo (a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER."
Resolvi conferir se era do Caio e era mesmo. Procurei no livro "Pequenas Epifanias" e tá lá a crônica, que por sinal É LIIIIIIINDA!!! Vou transcrevê-la aqui porque, sério, me fez desejar tê-la escrito. Não era esse o assunto do post, não falei de autor desconhecido, do texto tosco que dizem que é do Machado...Mas vê se a crônica não é mesmo uma lindeza:

EXTREMOS DA PAIXÃO
"Não, meu bem, não adianta bancar o distante
lá vem o amor nos dilacerar de novo..."
Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro (a) mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo (a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo- porque se poderia ter, já que está vivo (a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER.
Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-morrer drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: "Se você não me amar, eu matarei o presidente". E deu um tiro em Ronald Reagan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George - se não houver algo de publicitário nisso - é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.
No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira:compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos.
Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se em símbolos em face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: "É para você, para você que eu escrevo" - dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.
Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que - se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais eu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida.
Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor car(o,a,) colega esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.
O Estado de S. Paulo, 8/7/1986 

Eu também, Caio. Eu também...
O link pra baixar essa e outras obras do Caio tá aqui. O texto tosco que dizem que é do Machado e toda essa história de autores (des)conhecidos fica prum próximo post.
Lembrando que a frase que deu origem a esse post, seja do House, do Caio, da Clarice, de Aristóteles...É a mais pura verdade. Não consigo desapegar, sou péssima nesses joguetes de gruda-que-ele(a)-pisa/pisa-que-ele(a)-gruda...Mas "everybody plays the game/ and if you don't you're called insane...". E não fui eu quem disse isso. Foram os Strokes.


2 comentários:

  1. Olá!, gostei do seu blog, você sabe em que episodio o House fala essa frase?

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  2. Obrigada! Acredito que a frase só tenha sido mal atribuída mesmo, Rafa. Acompanho a série, pesquisei em vários sites e não encontrei essa citação do personagem, embora seja a cara dele dizer isso. ;)

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