segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Polêmicas, poesia & música do Diabo

Revisitando clássicos, revendo conceitos, relendo cartas que escrevi sem nunca ter pretendido mandar pra quem nem sei mais por onde anda.

Vinho barato e Jorge Luis Borges, entre polêmicas internéticas e episódios de "a vida como ela deveria ser" direto do meu Facebook (todo mundo é tão apaixonado e politicamente engajado e feliz e educado e culto no Facebook). Entre um poema e outro, um copo e outro, fico tentando entender o que tem de tão alarmante no selinho que o jogador de futebol trocou com a médica cubana que posou na Playboy sem se depilar porque era contra o Revalida. É isso, produção?


What a shame, what a shame (depois me perguntam por que não insisti no jornalismo...).


Quando pentelhos e cus e xenofobia ocupam tanto espaço no noticiário e nas redes sociais, você percebe que na verdade não tá perdendo muito.

E estudar? Até tento, mas a memória não ajuda. Quando procuro e acho as leis nº 11.340/06 e nº 11.343/06, minutos depois já não sei qual é a Maria da Penha e qual é a dos Tóxicos. Tenho duas provas de concurso pra estagiário: Defensoria e TRT: alea jacta est. Afinal, eu manjo dos paranauê jurídico pero no mucho.

Aí fico pensando que talvez eu leia demais. Schopenhauer diz que ler muito é que nem usar peruca: é adornar a cabeça com cabelo alheio. Você não pensa, você não cria. Tudo o que você tem na cabeça foi o que outra pessoa pensou e criou antes de você. Isso é mais polêmico que pentelho e cu, vai. Você, que é conhecida por ler pra caralho, ter livro pra caralho, dar de cara com um autor um dia, num pocket book que você comprou não lembra nem quando, dizendo "leia menos, filha da puta! bota essa cabeça pra pensar!". E a neura de emburrecer, como o Schop fala que a gente emburrece se lê muito? Já ia meter outra citação das trocentas mil que eu sei. Tá vendo?! Schop tem razão! Uso peruca! Sou tipo a Elke Maravilha, de tanto cabelo alheio diferente que eu tenho!



E o Norman Mailer aqui me esperando há séculos. Ninguém mandou ficar enfeitando tanto, dizendo o quanto a Marilyn era o doce anjo do sexo que ele e todos os homens heterossexuais estadunidenses queriam ter comido. Fora as conjecturas. Mailer e seus "talvez". Me irritou, deixei na bolsa, trombei com o Jorge Luis Borges um dia nas estantes empoeiradas da biblioteca da UMC e...Agora ele tá aqui na minha cama, me dizendo coisas bonitas.



Tenho essa teoria sobre livros e filmes e músicas & afins: tem momento certo pra conhecer. Às vezes, a gente vai acabar se deparando com um livro chato, um filme maçante, uma música que causa estranheza. Mas deixa, vai ver era a gente que ainda não tava pronto pra conhecer. Tempos depois, é só tentar de novo. Se continuar chato e maçante e estranho é porque é bosta mesmo.

Sempre tinha ouvido falar de Borges, mas nunca fui atrás pra ler algo dele. Lia matérias sobre Buenos Aires, cidade que quero muito conhecer um dia, e lugares que ele frequentava, com o lugar dele lá guardado ainda, e fotos dele nas paredes. Uma citação aqui, outra ali, e só. Até que um dia, tô na  faculdade com as entranhas em chamas de tanto ódio, e com fome, e sem dormir. Não posso voltar pra casa porque tenho que pegar o contrato de estágio assinado pela faculdade e levar pro outro lado da cidade, pra entregar na porra da empresa. Não era nem 11h da manhã, mas só iam me devolver o contrato assinado depois das 13h. Daria um rolê no shopping, mas não tinha dinheiro. Fui pra biblioteca, pras estantes onde estudantes de Direito não vão: "ficção". Mario Vargas Llosa, hoje não. Gabo, já li tudo. Jorge Luis Borges, "Obra Completa". Dois volumes de mais de 700 páginas cada. E foi assim que nos conhecemos.

Folheando, caí numa crônica sobre sonhos. Ele falava de um violinista italiano fodão (Giuseppe Tartini, thanks Google) que compôs uma de suas obras mais famosas porque sonhou com a melodia. Na verdade, ele conta que sonhou que o Diabo era escravo dele e tocava essa música. Acordou e compôs "Il Trillo del Diavolo". 


Foi o suficiente pra que eu me dedicasse à leitura do livro até as 13h, como quem conhece um amante em potencial e conversa e ri e se dá tão bem logo de cara que não consegue se despedir. Na volta às aulas (dias depois, já que voltei às aulas só semana passada), a primeira coisa que fiz foi voltar à biblioteca, devolver os livros de Direito Constitucional e pegar o "Obras Completas". As crônicas pelas quais me apaixonei estão no volume 2, mas peguei o volume 1 pro caso de amor durar mais.

O tempo virou, o bolo de chocolate acabou, o dia amanheceu. Hora de tentar dormir.

Antes de dormir, vou ler a Lei dos Tóxicos da alienação parental da Maria da Penha de San José da Costa Rica. Mas vou ouvir o Diabo e reler meu poema favorito do Borges porque esse post era pra isso.

AUSÊNCIA

Hei de levantar a vasta vida
que ainda agora é teu espelho:
cada manhã hei de reconstituí-la.
Desde que te afastaste,
quantos lugares se tornaram vãos
e sem sentido, iguais
a luzes no dia.
Tardes que foram nicho de tua imagem,
músicas em que sempre me aguardavas,
palavras daquele tempo,
eu terei que quebrá-las com minhas mãos.
Em que ribanceira esconderei minha alma
para que não veja tua ausência
que como um sol terrível, sem ocaso,
brilha definitiva e desapiedada?
Tua ausência me rodeia
como a corda à garganta.
O mar no qual se afunda.


Porra, Borges...


Nenhum comentário:

Postar um comentário